terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Lima

A assexuada lima transita através do seu sabor,
entre os sabores da laranja e do limão.
Descobri esta androginia transcendental
após saboreá-la com prazer.
Esta materialização romãntica da natureza,
em homenagem as duas cítricas,é uma magia
da arte natural com a graça de ambos os sexos.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Teatro do horror

As estátuas gritam na floresta;
riscadas pelo estilete do vento,
de desejo preso,de mármore e
cheiro de talco velho.

Um homem passa distante,
carrega um porco nos ombros.
O céu vermelho manchado de
negro enlouquece os pássaros.

Meus olhos observam meus
pés descalços e feridos.
Meus olhos pintados de sol.
Vou me afastando.

Lá fora cai um tempo sem
mundo.
Traças suspiram,soluçam.
Sobe um vapor rosado...

Vou moendo as horas.
Não tenho mais nada
além da sombra que
vive atrás de mim.

Biografia de um palhaço

Com dor,nos braços da noite
eu vou sorrir.
Confrontando golpes de afição
vou sorrir.
Como uma sombra que se
dissolve na escuridão
vou sorrir.
Vou escoar por uma fenda
na calçada até desaparecer;
ouvindo os risos,vendo
dezenas de mim mesmo
nos rostos abertos da
multidão.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Humana repousa (Aline Esashika)

Ainda que cortem tua linha de equilibrio
na corda bamba,
de um passo em falso fazes uma dança.
Ainda que os tolos falem tantas coisas,
é teu silêncio que faz calar a multidão.
E lava os pratos mesmo estando limpos,
tira o pó dos ouvidos e fecha as asas
para dormir.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Entre alguma coisa qualquer

Eu não sou meu coração
nem minha vida inteira.
Eu sou mesmo é uma
pedra exposta ao sol.
Sou aquele céu
com bordas vermelhas,
avião no alto,beijo
de adeus.

Eu sou vários gritos,
l´nguas diferentes.
Sou como se fôsse o
que ninguém pensou.
Sou como uma febre
violenta e forte.
Sou a tese rouca
do velho escritor.

Eu não sou paisagem
nem sorriso lindo.
Sou café bem quente,
dor,sola de pé.
Sou uma palavra..ou tão
simplesmente,
sou o que talvez seja o que é!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Aline Esashika

Dobrei em três partes cada espelho
e fui enrolando na sacola com o que
eu tinha...
Eu era minha...
E fui molhando meus cabelos no sol
fui amaciando as pedras que gemiam...

A água me cortava em três partes
e fui me dissolvendo nas gotas que
eu tinha...
Lágrimas...
E fui mordendo as folhas na mata
e cuspindo os espinhos que gemiam...

Juntei minhas partes todas
(afinal,eu era minha)
e brincava com os pássaros na água...
Voavam peixes entre as estrelas...
E fui mostrando a cada um que passava
que eu era dona daquele dia!!!!!!!!!!!!!!!!

Convertendo pedras

Cada olhar uma sentença
prá virar lobo não precisa muito...
Eu como pouco e falo bastante
e não quero ver qualquer filme...

Se eu chorar como um cachorro
enquanto estiver ouvindo música,
gargalhada de serpente se ouvirá
no escuro...

Coelho come caco de vidro
bolhas de sabão em pó,
Coca-cola e plástico verde
nada mais faz sentido...

Não entendeu nada?????
Problema é seu...
resolvo os meus sozinho...
Tô cansado de decifrar enigmas....

sábado, 18 de julho de 2009

Receita para um poeta

Risca numa folha
sem vaidade
palavras à toa
sem rumo certo
sem medida
para contemplação

Risca numa folha
sem querer ser aclamado
sem consultar
teus mestres
sem lembrar
tudo que aprendeu

Risca numa folha
como quem arrisca
um passo em falso
numa corda bamba
como quem entra
na dança sem saber dançar

Risca numa folha
como quem nada quer
sem armar uma cilada
sem sugerir nada
sem querer cantar
risca sem nada esperar

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Espetáculo


HO! horríveis espectadores
venham cínicos gargalhar
das dores de uma mulher
jogada na tristeza.
Venham ver definhar a beleza
de uma vencida no mundo.
Aplausos para louca
que se esvai em lágrimas.

Curso das águas

Quando o menino perceber suas asas;
não temerá o vôo arriscado,
não derramará uma lágrima
nem retornará ao ninho.

Quando o menino deixar de ser menino;
no solitário brilho da estrela,
no dobrar de um sino distante
sentirá uma febre endoidecido.

Quando o jovem selvagem rebentar
em músculos,pêlos e poesia
gozará de amores,pisará no fogo,
e no colo de uma mulher adormecerá.

Já no pôr-do-sol da vida,
no momento exato do sonho,
cantará ao pé de uma montanha
sua suave canção ao vento.

Meus algarismos

O flautista transforma o ar
em música.
Folhas secas brincam
no vento.
Eu,inteiro,completamente
sonho...

A prata nas folhas,nos frutos,
no caminho.
Prata brilhante do orvalho
nas macias espumas do mar.
Assim vale a pena quebrar
o silêncio...

Tuas mãos mergulhando
nas pequenas ondas.
Os espinhos se partem.
Permaneço inalterável
neste estado flutuante.
Alheio...

Atiro um grito de felicidade
e alguém me escuta.
Gotas cristalinas,
linhas coloridas,
ligam-se todas as formas;
somam meus algarismos.

Canção para um coração solitário

Quando chegares onde cessa o vento
na curva de alguma estrada,
procure o lago silencioso.
Assim como Narciso,
observe o reflexo do rosto
no lago.
Vá soprando na água
até que se desfaça a imagem,
e no ondular suave
das pequenas ondas
provocadas pelo sôpro,
deixa navegar teu desejo.
Por fim,ao cair da noite,
derramado aos pés da lua,
penetra infausto no vazio
como guerreiro vencido
em um grande combate.

Sabbatu

Aqui sentado,regando
as flores desta cortina,
deixo fugir o tempo.

O vento sacode o pano,
as pétalas,
a vida.

Minha palavra
também voa
sem ter onde pousar.

Todos estes pássaros
que invento
sustentam-se no céu.

Descanso neste sábado
soltando o leme,
deixando que o vento dê direção.

A corda

Amarra bem forte
teus sonhos
no canto dos motores
que passam na avenida.

Desperta para o dia.
Puxa lá do fundo
do poço
teus olhos sonolentos.

Enforca essa preguiça
no canto
do quarto.

Acorda com os relógios
da casa.
Tira essa coisa do pescoço.

A porta

Era uma porta bem simples
de madeira.
Cor de madeira.
Sem pintura.
Sem nada.

Era uma porta bem simples
de madeira.
Porta fechada.
Sem chave.
Trancada.

Era uma porta bem simples
de madeira.
Chutei a porta.
Quebrei a porta.
Ficou quebrada.

Era uma porta bem simples
de madeira.
Com cinco letras
escrevo porta...
um pontapé e não sobra nada!!!

Nossos dias

Enfim,vendo-a fugir,ri.
E já distante,sem mais,
acenou sorridente.
Disparou sobre mim
uma alegria comovente:
era minha infância
que desaparecia
no horizonte.

Fotografia

No meu velho baú
dorme meu avô.
Ouço seu ronco ancestral
por toda noite.
Pela manhã toca violino.
Mas não me atrevo
a abrir a tampa...
da última vez que
ele saiu,
destruiu meu quarto
com seu automóvel
de luxo.

Urgente

Compra-se uma casa
cheia de gente dentro.
Falar c/ Solidão...
sempre aos domingos.

A última nota

Sei que a insônia da longa noite;
dos gemidos surdos das estrelas,
da paixão prematura do sonho,
provocam inspirações imortais.

A sombra do gato no muro,
o ruído do automóvel
que cruza a avenida,
são também belas expressões...

A existência de uma dor à tona
vinda por íntima confidência
invade tão singular momento
refletindo em linda lágrima que cai.

Segredos da lua...

Pedalava entre as nuvens líquidas
com minha bicicleta vermelha,
tão desatinado com minha canção...
A lua flutuante,
toda de vidro e cheia
de água....aquela bola gorda...
Fui descendo,descendo,
até o oceano me engolir.
Coberto de peixes
eu ainda ria daquela lua
branca
que até hoje não sabe
que sou um capitão!

Corpos ligados

Ainda ferida,pousou
como um broche
negro.
Ousadamente.

Ainda ferida,com
sua resistência
sentida,
ali,abstrata.

Ali,atingida,
completamente
dentro dos meus
olhos...

E foi deixando-se,
nesse gesto
de folha
ao vento...

Meus olhos de água,
delirantes,
olhos de vidro
na dor.

Borboleta em tudo
que me ocupava:
batia minhas
asas para longe.

Laranja de vidro

Quando a neve deixa o telhado coberto
de flocos brancos,olho pela janela
e logo ouço essa voz que chama
meu nome suavemente.
A mesma voz que aparece
no inverno da minha infância.
Imagino aquele cavalinho
amarelo desprender-se do carrossel
e me esperar à porta.
Sei que é avoz dela me chamando...
Conheço seu perfume
mas nunca vi seu rosto.
Eu,cavalgando no cavalinho,
nas montanhas de neve,
colhendo uma laranja de vidro,
eternamente......

Certas zonas de poder

Entre uma palavra e outra
um código cifrado
contido nas pausas.
Este é o poema que o fogo
não apaga;
que o fole dos dispersos
dissipa sem pudor.

Este que contém o artifício
da expressão invisível
expressa nas suas
entrelinhas....
recobre as bordas
com árvores para apertar
o segredo que há no meio.

Que mil olhos lêem
mas não percebem
o que os sensíveis
destilam em relâmpagos.
Que ilumina em silêncio,
que nivela entortando
incomunicávelmente explícito.

Boneca Quebrada

Tinha dedos de mármore
e uma voz de terra oca.
Ao cair da sacada
restou-lhe apenas a cabeça.

E cada estrela que via
ela insultava,
em cada pé que passava
ela cuspia.

Ilha Perfumada

Caiu um pedaço de céu
nas minhas mãos
sujas de amor.

sequei alguns poemas
no caderno
e pus para dormir ao luar.

Pela manhã,
encontrei entre o pano
estrelas mortas de rir.

Segredo

O vento escreve tantos poemas enquanto
estamos distraídos,
se pudéssemos fisgar ao menos
um que foge entre os galhos das árvores....
Mas deixe que ele pense
que não sabemos da sua poesia,
para que fique nos provocando
nas frias noites de inverno.